REITCHEL KOMCH

Foto (Roberto Bellonia)

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Fotos (Roberto Bellonia)

TRILHAS PARA O IROKO

Apresentação

Na tradição mitológica africana, o orixá Iroko é o tempo. Misterioso e libertário, agente do destino e dos desvios, ele se transfigura em um das quatro árvores sagradas para os povos iorubás: a milicia  excelsa (correspondente no Brasil à gameleira ).

Mais visão do que revisionismo, antes longevidade e impermanência do que atemporalidade ou dogmatismo, a Pintura e a Escultura de Reitchel Komch tem linhagem expressionista, cogitando de emblemáticas narrativas da diáspora negra a paradoxais atualizações emocionais por resgaste das origens. Há busca subjetivada por representação política e redefinição de lugar social, reestruturação da psique (desrepressão e desrecalque) e, não menos, “comandos” líricos ou silenciosos contra-ataques à hegemonia de modelos discriminatórios ― daí serem associáveis hoje à Figuração da francesa Diagne Chanel, da sul-africana Pamela Phatsimo, dos norte-americanos Purvis Young e Mickalene Thomas, do belga Mufuki e do malês Abdoulaye Konaté; e à Não-Representação da alemã Ingrid Mwangi, dos norte-americanos David Hammons e Senga Nengudi, e da francesa Louise Bourgeois.


Conceitualidade

1. Questões de Frente (o Assunto)

Os deuses, mitos e lendas acerca do tempo que as Trilhas para o Iroko entregam — em modo figurado ou não — são o assunto dessa espécie de heráldica contemporânea. Eles rondam de vagas “paisagens” a campos visuais laconicamente reticentes. De esparso sensualismo material e baixa visibilidade, resultam “bandeiras” de difícil sondagem. Conceitualmente, são antes desenhos e esculturas caracteristicamente têxteis que se imaginam dispositivos para progressão espiritual e transcendência. Em um mundo pornopublicitário como o que vivemos (de escombros imagéticos “genocidas”), a proposição por Reitchel Komch de espaços colaterais recessivos e reservados não é pouco — sobretudo no Brasil dos paradigmáticos Leonilson (1957-1993) e Arthur Bispo do Rosário (1909-1989).

2. Questões de Fundo (as relações com a História da Arte)

Conceitualmente, trata-se aqui de desenhos-como-escultura: o suporte em tecido de médio ou grande formato (a juta, o algodão, o linho) está para o papel. Reichel Komch manipula fios, meadas, agulhas, hastes de ferro e cabaças sob um jogo dialético entre verdade e impostura simultaneamente: essa “engenharia” quer escultórica quer gráfica entrega procedimentos de colagem e bordado, embaralhados. Seu viés moderno é datado do século 20 e se deve evidentemente à pintura-assemblage do segundo Cubismo, o “sintético” — bem como a todas as tendências tardias que se seguiram à ele, do Formalismo ao Minimalismo dos anos 1960. O alto poder de sugestão dessas visualidades “magras” vem inegavelmente dali. Contudo, é o caráter narrativo do Neoexpressionismo dos anos 1980 com sua agenda de direitos civis e obstinação por dar voz às minorias (em termos de representação política) que substanciam a discreta “guerrilha” de Komch e sua mitologia pessoal: nascida no Terceiro Mundo, mulher, negra, artista.

Foto (Roberto Bellonia)


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Sobre:

Artista visual. De tendência neoexpressionista, atua em suportes diversos — com foco em revisões de mitologias ancestrais (o Iroko africano, p. ex.) enquanto dispositivos para visibilidade de grupos historicamente marginalizados. Oficinas na EAV-Parque Lage com Brígida Balthar, Chico Cunha, David Cury, Efrain Almeida, João Magalhães, Luiz Ernesto e Marcelo Campos a partir de 2010.

Faz a Escola Sem Sítio com Cadu, Efrain Almeida, Marcelo Campos e Marisa Flórido (Imersões Poéticas, 2017) e com Efrain Almeida (Poéticas em Processo, desde 2018).

Em 2019 faz Acompanhamento & Diálogo para Artistas com Daniela Name. Realiza a mostra individual Dos Gestos e do Tempo: uma Intersecção dos Olhares no Espaço Correios (Niterói, 2019). Entre outras coletivas, integra A Melancolia da Paisagem na Galeria Sem Título Arte (Fortaleza, 2019); O Corpo e o Feminismo no Centro Cultural da Justiça Federal (Rio, 2018); Intersubjetividades no Espaço Correios (Niterói, 2017) e Flutuantes no Paço Imperial (Rio, 2018). Vive e trabalha no Rio de Janeiro.